domingo, 3 de janeiro de 2010

"Esta, afinal, é osso dos meus ossos"


da moça
Em que poderia ela acreditar (fala em terceira pessoa para que possa falar também de uma outra que não ela) se quando nua diante do espelho as costelas eram as que mais apreciava. Eram ossos que sustentavam a cintura. Dança de judeus. As pernas imóveis e enormes. Seios duros.

E a agonia do quadril ao dar-se conta de que era a espinha dorsal tudo o que vingava os movimentos crus. Ora lentos, ora medianos, sem caráter algum. Alegrava-se com o som impostado das palavras que ousavam o tom da interpretação investida por qualquer ator. Mas não era cena.

Era de verdade. A água caia sobre as sílabas que tentavam fingir fingimento. E as costelas lá, acompanhadas da espinha dorsal, num erotismo ereto, quase confortável. Ela quando banca a nudez, banca para ela mesma. A pele suspensa na suspeita da imensidão possível de cada abertura, cada buraco.

Toda marca tem nos olhos o odor do que fora antes da marca. Os olhos são todas as coisas, a neuro química das imagens.

Hoje não tem nada na escrita que não seja dela. Somente ela, levemente oscilante pelas costelas – dela mesma.

E feliz e sozinha e dramática na água. O corpo inteiro filmado pelos olhos dela –somente uma parte – a que o espelho alcançava (como um grito de Torah).

Nada de narciso. Uma mulher da Polônia. Sem dor. Sem cor. Fria. Mulher múmia que só vive para ela mesma. Sua vida é percebida quando está só.

E vive quando só.

Da mulher

Continuava a não crer em nada que não alguma coisa velha, os cinco primeiros livros pelo menos. O ar tórrido do deserto nunca sentira. Mas ficara em seu espírito temeroso a nova fé que anunciava corrupta e traiçoeira diante de seus olhos amendoados. Cílios poderosos. Protetores de poeira.

Curvadas as vértebras, durante a noite, o frio era doentio. Sentada em meio a ruína de suas unhas, imaginava-se equilibrada a um picadeiro onírico. O lenço jeitoso sob sua cabeça balançava ao vento que lhe fazia tremer os lábios carnudos, dando a impressão de que pudesse ela estar sorrindo.

Era linda. Nunca conseguira concentrar os pensamentos seus em apenas uma questão. Era mulher de muitos homens, no entanto, de nenhum. Porém, não era merecedora da fama que tinha, a de prostytutka. Seus olhares, moduladores cerebrais, encontrava virtudes em cada gravata, cabelo, chapéu, bermuda, cinto e pés grandes, assim como algumas mãos. Só não lhe apeteciam as barbas.

Lembrava alguma coisa do seu pai. Imaginava ela que Abrahão era cheio de cabelos por debaixo dos lábios. Não lhe agradaria beijá-los.
Por conseguinte, passou a conformar-se com tamanha falta de atenção. Esquecera um livro verde em um ônibus e, em outra ocasião, um outro livro no avião. Não lembrara da cor.

Bem debaixo de seus olhos, viu muitos morrerem. E pensava que talvez estivesse viva pelo simples fato de estar viva.

Sem filhos, tornou-se mãe derradeira. Com o osso sacro intacto mais o cóccix, a força de seu ventre era ainda mais calorosa.

As costelas contorcidas a bailar.

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