terça-feira, 25 de maio de 2010

ABC da ilha deserta


“Existe um número imenso de ilhas e de pontos vivos dispersos. Finalmente. A visão permite pensar novamente”.(P V – Alfabeto – 1924)

Paul Valéry antecipou a idéia imaginária de origem e mitologia de Gilles Deleuze que pode ser lida em “Causas e Razões das ilhas desertas” (A Ilha Deserta 2005), quando a questão da separação, oposição profunda entre a terra e oceano, é tida como um dos principais motivos da Criação como origem segunda.

Um número imenso de ilhas. Divide-se entre o que Deleuze observa: dois tipos de ilhas, classificadas pelos geógrafos; as ilhas continentais e as oceânicas. São elas desertas, mesmo habitadas, pelo fato de que o movimento que as diferem, modificam e as dispersam independe da ocupação do homem que, no entanto, retoma esse mesmo movimento que o antecede quando este se encontra em direção a ilha.

[...] e de pontos vivos dispersos. O homem que faz de conta que vive seguro “em sua terra” não faz merecer em sua vivência a violência vivaz inevitável entre a terra e o mar. Seu pai e sua mãe são a matéria prima de sua existência. Segurança máxima de seu ser no mundo. Logo, guiado por esse mito primeiro, “o homem só pode viver sobre uma ilha esquecendo o que ela representa” (GD).

Finalmente. Separado do continente, finalmente, o homem recria sua condição existencial no mundo. O ciclo fechado se abre para o recomeço. A ilha deserta aqui ganha um novo sentido confiado ao homem. Finalmente, dono do seu próprio destino. Sem pai nem mãe, a ilha é a única matéria que lhe resta e, a partir dela, parte embrionária desapegada de todo o resto, se põe a cantar versos desatentos e soberanos do conhecimento do que agora retorna claramente.

A visão permite pensar novamente. A visão da separação emana de um segundo nascimento. Criar um novo mundo a partir da separação de um outro mundo até então desconhecido. Mas ele não pode ser visto por detrás da cortina. A visão é o desdobramento do mito esquecido. É o reflexo imaginário dos espaços já ocupados em virtude de um novo assentamento. A cíclica e tríade visão da desterritorialização permite, mesmo que por uma concentração esboçada de tempo, pensar novamente.