domingo, 11 de outubro de 2009

A casos felizes


Essa noite sonhei que me escrevestes um email, pela primeira vez. Via o nome na caixa de entrada, mas não conseguia abrir. Uma nova seqüência de imagens confusas surgiu em meu imaginário onírico e me perdi de você, mais uma vez. Ao acordar, fiquei pensando se mandastes o email do partido que a muito tempo vem contribuindo para o fracasso do que chamam democracia no Brasil.

Minha visão, ao passar em frente ao lugar onde pequenos comunistas se reúnem, turvou-se em borboletas enquanto Tchaikovsky fundia meus ouvidos com sua regência. Foi rápido. Mas você estava lá a me olhar. Sempre me olhando, me vigiando. Ah, acabo de me lembrar que, no sonho, não sei se logo após seu email, eu estava a escrever um texto que teria três partes, caso eu o concluísse. Era um texto sobre a raiva. Acho que Raiva I, Raiva II e Raiva III. Que coisa besta. O que eu poderia escrever sobre a raiva? Será que teria produzido um bom argumento sobre o assunto, se minha demente mente deixasse? Nunca pensei em escrever sobre isso. Talvez seja porque, quando acordada, tenho estudado muito sobre as relações Zweite Unschuld (culpa/dívida/inocência). Credor e devedor envolvidos entre delito, punição e vingança Ad infinitum.

Algumas boas idéias são reveladas em sonho. Por isso mesmo é importante e saudável que as pessoas tenham pelo menos oito horas de sono. Não apenas rumores de idéias em movimento, mas fortes e leves fragmentos de sensações perpassam por nossos corpos enquanto sonhamos. Não acontece da mesma forma com o sonho-pesadelo. Por algum motivo, não vamos até o fim com os pesadelos. Acordamos bem antes do desenrolar dos fatos. Se estou prestes a morrer violentamente ou de qualquer jeito, não morro, acordo. Se vejo o que não quero, mudo, em sonho mesmo, o rumo das imagens; por mais que isso me assuste e me deixa em estado melindroso, ainda estou no comando. Ah, outra coisa que acho muito engraçado também é que sonho com o amante sempre na primeira noite que está em minha cama. Ele do meu lado e eu sonhando com ele. Isso é muito divertido. O corpo e sua projeção de aspiração.

Raiva I – Consiste um conjunto de raivas que, separadamente, indicam o que, quem e por que.

Raiva II – estágio avançado da raiva, onde as táticas de desafeto, desavença e desespero são preparados e disparados.

Raiva III – momento de fingir desprezo. Diz não desprezar por não pensar no desprezado, sendo que: toda significância do ato de desprezar está na imagem do desprezado.


Estou orgulhosa de mim mesma. Consegui terminar, acordada, o meu sonho raivístico. O que antes acontecia muito e que não mais acontece e que gostaria muito que voltasse acontecer é a continuação do sonho em outro sonho, em uma outra noite. É sinistramente prazeroso.

O sonho dá ferramentas para a literatura. Não é tudo, mas sugere gentilmente algumas entradas que indicam algumas sinuosas passagens de cânticos e danças cheios de....Na verdade, não sei. Não faço literatura. Não sou escritora. Eu sou só sonhadora. Deliro sonhos que penso ser literatura. Aquele homem me mandou um email pela primeira vez e nem ao menos sei o que ele disse. Aquele homem que é artista, que é comunista, detetive. Ele que é misterioso. Ele que não diz que me ama, ele me procura em todos os lugares, quieto, calado, como se não me visse. O não dito é nosso labirinto saboroso. O dito é pura mentira de quem não sabe sonhar.

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