sábado, 7 de fevereiro de 2009

Contus Humanus




Adentrei-me aos contos pela primeira vez quando li “O alienista”, de Machado de Assis. Depois veio o “Espelho” e outros do mesmo autor. Esses escritos, em especial, me puseram a ver questões interessantes sobre a psicanálise. Depois ou paralelamente, não me recordo, vieram outros autores como Sartre, cuja dinâmica escritural não era a do conto e sim a da novela. “O muro” me é caro: acaso incorporado (idéia dolabelística) de tragédia. Como a poesia é sempre a coisa que mais me cai às mãos, eu quase não leio mais contos (é insano). Pois nestes últimos dias me caiu às mãos o “Contus Humanus”, de Sylvia Marteleto. Alguns personagens marcantes que hora me lembravam alguns gestos de Sylvia e às vezes se dispersavam desses mesmos gestos. Digo isso porque em alguns momentos da leitura, em alguns dos contos, não soube identificar se a própria Sylvia era o personagem, se ela falava pelo e para o personagem, ou se falava apenas para o leitor, as três coisas ou ainda nenhuma delas. Essa minha confusão pode ter aparecido simplesmente pela falta de hábito da leitura de contos ou por Sylvia ser uma amiga querida e, antes de conhecer sua escrita, conheci seus gestos e faces tão fortes e provocantes, assim como alguns de seus personagens. “O falastrão”, que descobre a escrita como cura à sua doença da língua, a Betânia, opulenta e fedorenta, mas sempre impecável, o velho amigo de Elliot encontrando-se com Daví - uma troca alegre - o detetive com síndrome da conspiração e seu interrogado tão debochado, “A sonetista”, uma crítica a prostituição editorial que inclui algumas questões tão mal resolvidas: ser ou não ser arte, ou quem faz arte, quem escolhe Poder arte. Sylvia, como pesquisadora, não apenas mestranda do curso de filosofia soube bem dar vida para além de sua vida e sua individualidade. Um encontro feliz de personagen-conceitos.

Reproduzo alguns trechos:

“O meu tempo é outro. Constato o que todos constatam: não sou deste lugar. Sou filho de um tempo que nunca me pertenceu tempo de alternâncias entre o gozo dos espaços particulares e a impessoalidade da fórmula de ir e vir: desequilibradas seqüências insondáveis, imagens e comunicações eternamente editadas por n horas ao dia”[...]. ( O Falastrão)


“No velório, os nativos emocionados comentavam: “Vossa alma letrada foi digna de respeito...Mas a carcaça sublime, sufocada pelo próprio peido”
*Esta e outras sátiras estarão em “O mundo como vaidade e repetição, um tributo a Schopenhauer”. (Opulência, Sátira*)


“ De antemão te antecipo: como se Nietzsche em Sils Maria tivesse encontrado o seu super-homem, me sinto. Creio ser esta magnífica criatura, um presente tardio do criador para os meus setenta anos.” (Uma carta para Elliot)


“Tal como grandes prêmios imprimem no grande talento suas marcas, no amador, primeiramente, vemos impregnados os traços de uma arte ainda incompleta.” (A sonetista)


“ ...limpou a cena do crime, se preveniu e fugiu pela escada de incêndio. Só me responda mais uma pergunta: por que vir à polícia, criar um depoimento que o colocaria como suspeito em evidência, quando poderia estar longe daqui após matar quem quisesse, sem ao menos fornecer pistas?
- Gosto que duvidem da minha palavra. (O depoimento)

Um comentário:

  1. Olá!

    Gostaria de agradecer sobre a belíssima crônica sobre meu livro - muito obrigada! Gostei muito de suas impressões; fico feliz por ter gostado e aguentado ler até o fim... rs

    E quanto ao "encontro feliz de personagem -conceitos" mencionado, faz todo o sentido: discurso meio filosófico, meio poético - com pitadas de humor e torresmo. Sou eu e são eles.

    Grande abraço e... Parabéns pelo dada-blog!
    Sylvia Marteleto

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