domingo, 25 de abril de 2010

carta para a alegria da alegria: a criança que canta


(para Epicuro, Meneceu e o nome aos bois)

Essa do seu sorriso é ótima. Sonhei que era escritora e nunca mais parei de escrever. Nem de fumar. Sozinha no meu apartamento pouco volumoso me sinto a pessoa mais apelativa de alegria do mundo. Uma alegria nada entediante. Uma alegria fenomenal. Uma alegria de tirar o fôlego. Era só a imagem da imaginação do seu sorriso. Eu sairia a galope desse portal engraçado, feliz possuidor dos seus dentes. A cada marcha, mancharia todo meu rosto de batom vermelho lambuzado de felicidade.

O jeans da sua jaqueta tampa todo seu vício e todo o resto. Dá a você o aspecto saboroso da alegria. Esse seu jeito de moço. Delicioso. E se encosta seu ombro em minha parede, deixa também cair o lábio, um pouco do pescoço. As mãos no bolso indicam que o amasso será ainda melhor que o sexo.

E ao caminho da montanha, de vestido prateado, eu ainda corro demais. Você jamais entrará de carro na floresta e nem na festa do mato. Havia uma criança entre nós. Você estava em segundo plano. Eu fitava o bebê e você, lá atrás, despistada mente. Mas pude ver, no entanto, sem olhar, que me mantinha vesga em sua direção. Quanta atenção audaciosa jogou por cima de mim. Que caiu sobre mim. E depois ainda pronunciou meu nome em voz alta, passando pela diagonal, sem esbarrar na atenção despejada sobre mim. Você disse: K ROL. Bem assim com letras maiúsculas. Quase gozei.

A alegria da alegria é sozinha. Pode parcialmente ser compartilhada no jardim. Ela é o cerne, criadora de toda a imaginação vivida. Uma carta para o boi nominável. Aristóteles pirou com a imaginação: ele distinguiu a imaginação da sensação e da opinião. Mas as imagens podem produzir sensações, inclusive no sono. E o sono, esse sim, é formador de opinião. Podemos, inclusive, imaginar uma opinião dormindo ou não. Já Hegel, poeta dadaísta, distinguiu a imaginação da fantasia. É que muda de corpo e de cor.

A alegria da alegria em um pedaço de papel divaga sorridente. As imagens gargalham sozinhas. Ligue o incenso da transmutação. Daí o boi estava parado como em uma lagoa santa. Ele estava lá no cantinho parado. O boi estava parado. O boi estava parado. O boi estava parado. O boi estava parado. O boi estava parado. Para o lado de lá o boi estava emitindo energias sonoras em música eletrônica.

As sombras que minha amiga me deu, todas elas são coloridas. Sombras coloridas. Mas cada uma é de uma cor. Juntas, são coloridas. Eu só fico assustada com minha própria sombra. As que eu ganhei não me assombram. Você está doida? Perguntou a criança. Por um instante, imaginei que a pergunta fosse para mim. Logo mudou o foco e então percebi que além de não doida também cabal.

Ah, e ainda tem os cavalos. Esses sim. Enquanto o boi fica parado, o cavalo nos leva embora. Nessa altura, a alegria passou batida. Marchadora. Saio dela, do despertar da imaginação, e volto para aquele lugar. Ambos com o mesmo nome. Um deles, parado como o boi. Finge que não me vê. Amedrontado. Sou uma humana varrida. Coloque o Beatles na vitrola e finja pelo menos que sabe dançar. Porque de resto.

O outro ali. De boi não tem nada. Alucinada que sou, me ponho a cantarolar o hino dos fracos. Porque sou fraca de nascença. E ainda tem as péssimas tentativas de alegria. Muitas delas funcionam, mesmo quando alguém de fato não se importa.

Outro dia assisti a uma dança. Belo cavalo de tróia. Acertivo. Bailarino maravilhoso. Um primor da natureza. Uma vez mais a criança indagou. O que você ta fazendo com seu olho? Dessa vez eu tive certeza de que a pergunta foi mesmo para mim.

Como tirar os olhos daquele bailarino? (eu pergunto para mim mesma). Ele soube usar o espaço delimitado a cada queda programada do seu corpo. Nada performático. Simplesmente bailarino. Acabei crendo que bailarino mesmo falta aos montes no mundo. A consistência de um corpo que se propõe a entrega do corpo mesmo.

O cuidado com a experimentação foi revelado no corpo dele. Cuidado no sentido de cuidar cultivando e de precaução. Uma coerência imaginada posta a prova, oferecida.

Essa do seu sorriso é ótima mesmo.

sábado, 10 de abril de 2010