sábado, 23 de janeiro de 2010

“O Brasil vai virar favela ou a favela vai virar Brasil?”



“Celso Moretti Reggae Favela” é o nome da exposição que vai levar o público a percorrer os caminhos da vida do artista. O compositor vai abrir sua casa para a mostra no bairro Bandeirinhas, em Betim, no próximo dia 27, a partir das 13h. Desenhos, colagens, esculturas, fotografias, sala de vídeo, de figurino, objetos pessoais e de trabalho ocupam os espaços internos e externos da casa. Seleções que fizeram parte dos 30 anos de produção artística de Celso Moretti. A atriz Cida Ambrósio, fundadora da Questão Z Cia. Cênica, assina a pesquisa documental e os textos da mostra.

A quem diga que o “Movimento de Cultura Alternativo Carne pra Bife”, organizado por Celso Moretti e Marcelo Borges, balançou os pilares de Betim nos anos 90. “Shows relâmpagos” de dança, música, teatro e poesia eram levados, nessa época, para o mercado e diversos locais públicos da cidade despertando o olhar curioso do público que era induzido a presenciar as ações. O que restou da memória do grupo também pode ser conferido na mostra.

“Nega doida”, “Meu primo José” e “Zumbi” são músicas do repertório de Celso Moretti que ganharam outras versões na exposição. O artista produziu esculturas em homenagem aos personagens de suas canções. A mostra, assim como o palco, são para o cantor um verdadeiro ritual que legitima a relação que ele tem com sua própria arte, vida e pessoas.

Segundo o artista, a mostra é uma espécie de experimentação para a realização de um outro projeto maior, além de ser uma chance de maior aproximação dos fãs com sua obra. “O projeto para o futuro é abrir um museu do Reggae que aponta o histórico e o crescimento desse estilo musical em Minas”, revelou.

Grupos com mais de 10 pessoas, escolas públicas e privadas da cidade devem agendar, previamente, a visita à exposição. A casa, localizada na rua Leonardo Lopes Cançado, 60, no bairro Bandeirinhas, em Betim, estará aberta para visitação às terças, quintas e sábados, a partir do dia 27 de janeiro, de 9h às 17h.

Assessoria de imprensa: carolara2001@gmail.com
Agenda para visitação: moretticelso@hotmail.com


Rindo com o céu

Dor e alegria, palavras aparentemente opostas, se fundem em imagens sonoras, dando vigor ao Reggae Favela de Celso Moretti. As letras de suas músicas não apenas buscam traduzir o cotidiano das periferias dos grandes centros urbanos, mas dizem respeito também a um ritmo musical indomável, enfurecido e pessoal de um artista que observa a cidade. Esse olhar que vislumbra as arestas dos territórios delimitados modifica a realidade das estruturas, sobretudo, políticas e culturais, na medida em que não se direciona para os sistemas funcionais. O Centro torna-se então Favela. Modulações sonoras que retornam para centros diferenciados, trazendo elementos incomuns à memória musical e textual, ofuscando assim, os modos pré-orientados de reconhecimento visual da audição. Ouvir uma canção Favela é como cantar na chuva. Não tem chuveiro, tem céu.

sábado, 16 de janeiro de 2010

É nocaute outra vez





Dono de um punho direito poderoso, Muhammad Ali-Haj desabava ao chão todos os seus inimigos. O boxeador dançava no ringue e desenvolvia, em cena, uma retórica inabalável.

Para os lutadores, aqueles que pretendem “dar uma boiada para não sair da briga”, do seu legado, Ali deixou uma importante questão (que envolve outras tantas) que merece atenção: o motivo da dança.

Os pés maleáveis e deslizantes operavam os esquemas de ataque e defesa dos punhos. Seu ritmo encurralava os adversários no canto e nas cordas da “arena”.

Na luta histórica contra Foreman, em 1974, Ali emocionou seus fãs, o público e os jornalistas da época, que hoje narram com esmero a impressionante jogada. Somente depois de alguns rounds Ali reagiu e, com seu nocaute irrepresentável derrubou Foreman.

O que mais parecia assustar a plateia, o fato de apanhar incessantemente com socos insanos, não passava de estratégia. Não se tratava de cansar simplesmente o inimigo, mas, sobretudo, dar a derrota a indubitável certeza da derrota.

Esse é o motivo da dança. E isso, independentemente de convicções religiosas e políticas (o que sobrava em Ali).

Com sua dança, ele desenhava as possibilidades da sua própria derrota. Paradoxalmente, acertava a cada erro empenhado.

O motivo da dança, portanto, não é o de vencer ou perder. É poder distender, dispensar, experimentar e libertar todos os caminhos traçados a priori, o que não significa a anulação das estratégias. Ao contrário, é pela estratégia que se desmonta estratégia.

domingo, 3 de janeiro de 2010

"Esta, afinal, é osso dos meus ossos"


da moça
Em que poderia ela acreditar (fala em terceira pessoa para que possa falar também de uma outra que não ela) se quando nua diante do espelho as costelas eram as que mais apreciava. Eram ossos que sustentavam a cintura. Dança de judeus. As pernas imóveis e enormes. Seios duros.

E a agonia do quadril ao dar-se conta de que era a espinha dorsal tudo o que vingava os movimentos crus. Ora lentos, ora medianos, sem caráter algum. Alegrava-se com o som impostado das palavras que ousavam o tom da interpretação investida por qualquer ator. Mas não era cena.

Era de verdade. A água caia sobre as sílabas que tentavam fingir fingimento. E as costelas lá, acompanhadas da espinha dorsal, num erotismo ereto, quase confortável. Ela quando banca a nudez, banca para ela mesma. A pele suspensa na suspeita da imensidão possível de cada abertura, cada buraco.

Toda marca tem nos olhos o odor do que fora antes da marca. Os olhos são todas as coisas, a neuro química das imagens.

Hoje não tem nada na escrita que não seja dela. Somente ela, levemente oscilante pelas costelas – dela mesma.

E feliz e sozinha e dramática na água. O corpo inteiro filmado pelos olhos dela –somente uma parte – a que o espelho alcançava (como um grito de Torah).

Nada de narciso. Uma mulher da Polônia. Sem dor. Sem cor. Fria. Mulher múmia que só vive para ela mesma. Sua vida é percebida quando está só.

E vive quando só.

Da mulher

Continuava a não crer em nada que não alguma coisa velha, os cinco primeiros livros pelo menos. O ar tórrido do deserto nunca sentira. Mas ficara em seu espírito temeroso a nova fé que anunciava corrupta e traiçoeira diante de seus olhos amendoados. Cílios poderosos. Protetores de poeira.

Curvadas as vértebras, durante a noite, o frio era doentio. Sentada em meio a ruína de suas unhas, imaginava-se equilibrada a um picadeiro onírico. O lenço jeitoso sob sua cabeça balançava ao vento que lhe fazia tremer os lábios carnudos, dando a impressão de que pudesse ela estar sorrindo.

Era linda. Nunca conseguira concentrar os pensamentos seus em apenas uma questão. Era mulher de muitos homens, no entanto, de nenhum. Porém, não era merecedora da fama que tinha, a de prostytutka. Seus olhares, moduladores cerebrais, encontrava virtudes em cada gravata, cabelo, chapéu, bermuda, cinto e pés grandes, assim como algumas mãos. Só não lhe apeteciam as barbas.

Lembrava alguma coisa do seu pai. Imaginava ela que Abrahão era cheio de cabelos por debaixo dos lábios. Não lhe agradaria beijá-los.
Por conseguinte, passou a conformar-se com tamanha falta de atenção. Esquecera um livro verde em um ônibus e, em outra ocasião, um outro livro no avião. Não lembrara da cor.

Bem debaixo de seus olhos, viu muitos morrerem. E pensava que talvez estivesse viva pelo simples fato de estar viva.

Sem filhos, tornou-se mãe derradeira. Com o osso sacro intacto mais o cóccix, a força de seu ventre era ainda mais calorosa.

As costelas contorcidas a bailar.