domingo, 28 de junho de 2009

Pequenos affectos - uma carta para mim mesma


De uns tempos para cá – não sei definir um tempo exato, caso ele exista - tenho pensado sobre como eu gosto dos homens, sobretudo, os homens. Eu poderia ser um homem. Só não o sou, além das obviedades do sexo, porque digo o quanto as mulheres costumam ser irritantes e insuportáveis. Geralmente, os homens se limitam a deixar esse pensamento só no pensamento. Claro, discretos, não falariam ou não seriam homens. Mas deixando de lado a dualidade de se ser homem ou mulher, o que me agrada mesmo nos homens é o simples fato de serem homens. Já nascem emancipados. E fico pensando: e se eu fosse um homem? Sim, ficaria quase simultaneamente com quantas mulheres eu quisesse, dormiria cada dia com uma e depois as deixaria ou as trocaria por outras ainda mais misteriosas. Porque o que mais chama a atenção do homem em uma mulher é a sua capacidade de fingir segredos. Mas quando descobertos, todas as graças se perdem. E é também por isso que os homens (nem todos – para as mulheres casadas não brigarem muito comigo) se encantam tão facilmente por várias mulheres ao mesmo tempo. Eu não estou sendo irônica. Quando digo que poderia ser um homem é porque sou captada por coisas desse tipo. Os homens não são exatamente misteriosos, mas eles são homens. Cada um tão um que seria mesmo impossível ficar selecionando quem seria o melhor para mim. Por isso, as vezes acho que minha cabeça funciona meio em confluência com a da dos homens. Pois, com pouquíssimas exceções, as mulheres têm o péssimo hábito de ficar fazendo medições disso e daquilo. Eu concordo com a maioria – eles precisam ser bem dotados – e Inteligentes e, de preferência, maiores do que eu! Mas não necessariamente lindos e ricos, afinal, beleza e riqueza é algo que nossas mães e avós colocaram nas nossas cabeças. Agora, vamos para o plano da imprevisibilidade. Esse funciona pra homens e mulheres:

E quando você é homem e gosta de homem? E se você se apaixona perdidamente e só abandona a pessoa amada porque foi abandonado primeiro? E se tudo corre bem e, de repente, você vai embora sem saber por que vai embora? E se você tem vontade de casar com deus e o mundo? E se você tem quatro namoradas e apenas duas preferidas? E se quando sua mulher fica velha e você gosta dela assim mesmo? E se você é mesmo um canalha psicótico? E se você é mesmo histérica? E se você quer mesmo não construir o amor? E quando você destrói o que pensa que é amor? E se você não ama, mas vive amando?

E quando você ama? E quando você ama? E quando você ama? E quando você ama? E quando você ama? E quando você ama? E quando você ama? E quando você ama? E quando você ama? E quando você ama? E quando você ama? E quando você ama? E quando você ama?

dentes acácias #1


para os amigos Cida e Celso

O tempo da boca entreaberta é o tempo do vôo do espírito. Ermo de portas-dente. A maleabilidade da boca espalhando berros entre as quinas, para beiradas, os rachos. Escrever ficou ainda mais difícil.

O puxado não é o emendo, o espaço continuado ou um mero lugar secundário que aumenta as possibilidades de passagens. Ele é a vocalize dispersa que se encontra em um ponto qualquer e liga outro um pouco mais ou menos qualquer do que ele. Daí ele vira ponto específico, impressionadamente continuado. A fala acabou com sua vida.

Se o dente dela quebra, 34 mil segundos da boca variam entre tintas, rizinhos e esbarramos. As acareações não reconhecem o corpo. A arcada diz sim levando o queixo para baixo e os olhos para cima. O talvez arrasa com o lábio.

Nem todos os velhos banguelos já foram dentuços. Nem todos seus bafos saíram da boca. As falas repetiam sentidas, tão sentidos que deixaram de ter sentido. Se falo sobre o segundo da fala, que fala sobre o segundo do dente que fala do que mente com a boca, que come com a boca, que pede, fecha. Queria ter menos obturações.

No dia em que a música rarefazer os cafés e a maresia de nossos dentes. Na hora em que morrerem sorrindo para mim. As passagens são as que menos deixa passar. As coisas verdadeiras não saem da boca porque lá elas são mastigadas, trituradas. Mastigadas numa lentidão infinita que deixa calar, mesmo estando lá. Em algum canto da boca, descendo lento, tão lento que some, perde a saliva e se sai vira vômito, fluidez de palavras tão absurdamente inventadas para convencer o mundo sobre o mundo. Então não há e nem haverá palavra discreta, nem genuína ou sincera. As letras só podem ser amorosas assim como o canto do galo e o do motor do trem. Elas são lançadas para que se viva o dia e que se sonhe a noite. As partes, todas elas separadas, estão brilhantemente passando entre o que não são as partes das partes.

A boca é uma janela destemida. Sempre molhada, edita os sons, os timbres e a altura dos sentidos. Por todos os lados, as formas são criadas e tencionadas pela edição da significação. A semiótica é a psicóloga daquele que pensa ser artista. Uma pausa para a divagação.

A revolta não passa de pontos, daqueles que se ligam. Todos divididos igualmente, conectados, mas fora do alcance da realidade que se impõe. Então entra em choque aquilo que quer e que faz com aquilo que já querido, já se fez. Planos paralelos em convivência magnífica.

Pessoas também entram em paralelismos. Com suas bocas, burburinhos de dentes, dedicam um texto a alguém pensando em outro alguém, que escreveu uma cena para alguém, que interpretou um outro alguém que foi iluminado por alguém, que criou o personagem de alguém, que é também um outro alguém, que disse que teatro não existe sem ator, que contracena com outros atores, que criam suas possessões, que refazem as camas, que diz que ama, que vai embora, que pisa na alma, que troca de olhos e confunde as mágoas. Escrever para o homem que inventa o puxado, lembrando do homem que não sai de casa, que é amigo do meu amigo, que desenha um outro amigo na sala de uma amiga, que diz que é amiga, que trava conversa paralela com o amigo que conhece o outro amigo, que toca o sol, que brilha para todos, que queima todos, que alucina e cega.